sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Messianismo Bastardo

" Conhecemos a história de um autômato construído de tal modo que podia responder a cada lance de um jogador de xadrez com um contralance, que lhe assegurava a vitória. Um fantoche vestido à turca, com um narguilé na boca, sentava-se diante do tabuleiro, colocado numa grande mesa. Um sistema de espelhos criava a ilusão de que a mesa era totalmente visível, em todos os seus pormenores. Na realidade, um anão corcunda se escondia nela, um mestre no xadrez, que dirigia com cordéis a mão do fantoche. Podemos imaginar uma contrapartida filosófica desse mecanismo. O fantoche chamado "materialismo histórico" ganhará sempre. Ele pode enfrentar qualquer desafio, desde que tome a seu serviço a teologia. Hoje, ela é reconhecidamente pequena e feia e não ousa mostrar-se."

Walter Benjamin


       As revoluções socialistas ateias do século XX contrabandearam da tradição messiânica judaico-cristã o discurso da libertação dos pobres e oprimidos e da instauração do reino da liberdade. Tornaram-se caricaturas grotescas e totalitárias do reino messiânico. O sol da justiça prometido por essas revoluções metamorfoseou-se
em uma catástrofe que produziu milhões de mortos e em sociedades sem liberdade. Dostoiévski denunciou profeticamente essa impostura no romance Os Demônios. 

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O Sublime Vagabundo

       "O homem não deve almejar ser amo e senhor mas aspirar em converter-se em homem livre. A submissão de outros homens traz sempre a própria submissão. Quem escraviza é escravo. O amo é a figura do escravo ao contrário. Prometeu era um homem livre e um libertador, enquanto que o ditador é um escravo escravizador. A aspiração de poder é um desejo vil. Cristo é o protótipo do homem livre, César é o exemplo do escravo do mundo, submetido ao desejo de poder, percebendo apenas a vocação das massas para torná-lo senhor. Mas os servos também derrubam os amos e os césares. Liberdade é libertação não apenas dos opressores mas dos outros escravos igualmente. A condição de senhor é determinada por necessidades externas, não é uma imposição de personalidade, é uma injunção. Somente o homem livre é uma personalidade. Os demais são arranjos."

                                                                      Nicolai Berdiaev, Escravidão e Liberdade                  










         O que sempre caracterizou a vida do Cristo foi o fato dele nunca ter se adaptado ao sistema babilônico, na sua época representado pelo Império Romano, a primeira Besta do apocalipse. Ele não estava entre aqueles que adoraram a Besta. Cristo foi um marginal, não se dobrou ao poder das instituições que sustentam a sociedade: família, mercado, religião e estado. Não teve emprego, não se casou, nem teve filhos, não fez parte do Clero, não ocupou nenhum cargo no estado ou na academia.
        Se ele pregasse as ideias que defendeu, nos dias atuais, ele seria preso ou internado em um manicômio. Os cristão bem acomodados em suas vidas de bons cidadãos responsáveis e trabalhadores, seriam os primeiros a apedrejá-lo. Pensa um louco, barbudo e cabeludo, solteiro, vivendo na companhia de outros doze loucos, pobres e maltrapilhos como Ele, pregando que as pessoa não deveriam se preocupar com o que eles iriam comer, vestir ou onde dormir amanhã, que são as principais preocupações de todo cidadão normal e responsável. Esse Homem seria motivo de desprezo e escárnio geral. Falando ainda de um utópico Reino de Deus, que se realizaria no futuro próximo, para as pessoas que estivessem dispostas a esquecerem de si mesmas, sacrificando-se pelo bem comum.
        Só um Louco poderia ser portador de ideias tão sublimes e altruístas, no entanto, tão distantes da realidade mesquinha da sociedade humana, presa às ilusões de suas próprias concupiscências. Ele não possuía nada que pudesse dar qualquer tipo de respeitabilidade às sua ideias políticas e religiosas. Não possuía casa, era um morador de rua que vivia no trecho; não tinha esposa, o que levava alguns a desconfiarem de sua masculinidade; não tinha emprego público ou privado, o que o enquadrava na categoria dos vagabundos; não fazia parte de nenhuma congregação religiosa, angariando para si o ódio dos sacerdotes e dos escravos da religião, manipulados por eles. Ele era completamente livre das instituições da sociedade de sua época, o que o colocava na mesma tradição dos Profetas do Antigo Testamento, que viveram e morreram à margem da sociedade iníqua.
        Esse Homem que muitos diziam ser um sábio, não conseguira nenhum sucesso no mundo das artes, da política, da religião ou da academia. Ele era simplesmente um nada, mesmo assim, como tinha a audácia de defender ideias tão revolucionárias? um Homem que tinha o status de mendigo, querer propor ao mundo um outro tipo de lógica, com outra forma de relacionamento entre as pessoas, sem hierarquia, sem vaidade ou orgulho, onde todos eram irmãos e deveriam se amar e se cuidar como se fizessem parte de uma grande família universal. Mas mesmo sendo visto como um Louco, com ideias que a maioria do povo não conseguia aceitar, muito menos compreender, O Cristo era amado e querido, porque seu modo de ser era amável e simpático, compreensível e solidário, conquistando os corações daqueles que conviviam com ele.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

A Morte-Vida


" Abril é o mais cruel dos meses "

                             T. S. Eliot, A Terra Desolada


        Em abril de 2005 tive uma experiencia de quase morte. Os remédios que usava para depressão, esquizofrenia e síndrome do pânico, me causaram uma hepatite medicamentosa. Quando meu psiquiatra soube, pelos exames de sangue, dessa lesão no meu fígado, decorrente do excesso de medicamentos, mandou-me parar de usá-los. A interrupção abrupta provocou o que os médicos chamam de efeito rebote, que foi o responsável pela minha quase morte. Passei cinco dias e noites em pânico, sem comer nem dormir. na quinta noite senti meu espírito abandonando meu corpo, como se estivesse morrendo. Por algum tempo, não me lembro quanto, vislumbrei outra dimensão extrafísica, que estava como que pintada de faixas e manchas azuis. Fiquei com a impressão de ter ido para o outro lado da vida e voltado. Ainda não era a hora de retornar para a pátria espiritual.
        Em um mês emagreci vinte quilos. Passei a vagar pelo mundo como um morto-vivo, uma alma penada expiando seus pecados, com um olhar que gritava e que assombrava as pessoas. Nos meses seguintes ficava meditando o porque de ter vivido todo aquele horror. Minha consciência católica procurava entender ou descobrir quais os pecados hediondos  havia cometido para merecer um castigo tão cruel.
        Desde aquele ano fatídico minha vida se tornou um vagar sem termo, um caminhar sem rumo nem objetivo, uma peregrinação furtiva em busca de algo que não sabia exatamente o que era, talvez uma escavação em busca de si mesmo; a demanda de um sentido individual e coletivo para a existência; uma revolução socialista; uma família com esposa e filhos; ou simplesmente tentar sobreviver nesses nosso tempos calamitosos.
        Foram doze anos vagando pelo Brasil como uma alma penada, como que para se redimir de alguma maldição, carregando nos ombros curvados o peso de uma culpa milenar. Fogo apartado, vivendo a margem da sociedade, sem emprego, sempre só, visto por muitos como um vagabundo, e por quase todos como um louco. Me agarrava aos estudos como um náufrago abraçado a uma tábua de salvação.
        Em 2009 fiz um voto de castidade como forma de penitência, depois de ter vivido outra experiência de horror em agosto de 2008, que quase me levou ao suicídio. Estou há oito anos casto e talvez graças a isso, por uma graça concedida por Deus, estou me libertando da minha morte-vida.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Davi, O Rei Messias

Ele foi o Rei Ungido por Deus
Nasceu em uma família pobre
Mas foi Escolhido para ser
O governante do seu povo
E o rei de Israel que
Havia se corrompido
Começou a persegui-lo
Quando soube que havia
Um novo Eleito de Deus
Manipulou o povo para
Para que ficasse contra Davi
Perseguiu-o como como se
Ele fosse um criminoso
Para não ser assassinado
Passou a viver como um
Fugitivo sem lar, sem família
Levava uma vida errante
Foi cercado pelos inimigos
Um verdadeiro exército de
Canalhas o perseguia todos os dias
Ele foi agredido, ofendido e humilhado
As pessoas do zé povinho e da elite
Zombavam dele e ele era
Assediado por todos os lados
Como cães raivosos ladravam
Seu ódio contra o Ungido
Geração perversa, corrupta e depravada
Serviam ao Diabo, o pai
Dessa gente tenebrosa
Não  se importavam com Deus
Porque o que eles mais amavam
Era o dinheiro e todos os pecados
Capitais que podia proporcionar
Mas Davi suportou bravamente
Todo o sofrimento e todas
As injustiças praticadas
Pelo seu próprio povo
E como um Guerreiro de Deus
Venceu todos os inimigos do Bem
E entrou para História como um
Exemplo de Rei Justo e Bom

sexta-feira, 30 de junho de 2017

O Sol Negro



O tráfico de almas humanas

À esquerda e à direita

O Capital faz a sua pregação

E a Igreja do Diabo aprende

Muito bem a lição

E no final, Deus e o Diabo

Se misturam nesta terra

Projetada pelo Mal

O nosso triste Eldorado

Imagine um Sol Negro

Não um buraco negro

Um sol que ilumina escuridão

Nascendo no horizonte

O sol da alegria e do carnaval

O gozo da torcida campeã

Algo que cobre toda nossa beleza

Uma nuvem, uma névoa

O Sol Negro que nos iluminará

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Sacrifícios Humanos e Sociedade Ocidental

A Legitimação da Dominação na Sociedade Ocidental: Lúcifer e a Besta


Toda a história do Ocidente pode-se resumir num lema: a vítima tem a culpa, o vitimador é inocente. O Ocidente é o vitimador do mundo inteiro, um mundo inteiro é sua vítima. Mas, para o Ocidente, o mundo inteiro tem a culpa, ele é um vitimador heróico e inocente.
O sangue que o Ocidente produz não deixa manchas. Derramando esse sangue, têm-se as mãos limpas. A história do Ocidente passa de um genocídio a outro. Colonialismo, racismo, trabalho forçado em todas as suas formas, até por escravidão, aniquilamento de povos e países inteiros, destruição de culturas, extermínios, torturas e desaparecimentos em massa estão onipresentes na história do Ocidente. Todavia, o Ocidente tem as mãos limpas, nenhuma mancha de sangue se vê. Pelo contrário, o Ocidente acusa e denuncia todo o mundo,vigiando pelo respeito aos direitos humanos.

Na recente guerra do Iraque, Hussein sai com as mãos cheias de sangue. Não obstante, o presidente Bush, o general Schwarzkopf e o general Powell, também o primeiro ministro Major e o presidente Mitterand, todos têm as mãos limpas. Não se nota nenhuma mancha de sangue. Provavelmente derramaram mais sangue que o próprio Hussein, mas produziram um sangue que não deixa nenhuma manchas. Estão limpos.
Assisti uma vez na década de 60 no Chile a uma conversa entre alguns atores de teatro sobre o sangue que precisam muitas vezes nas sessões de teatro. Um afirmava ao outro: o melhor sangue é produzido em Hamburgo, na Alemanha. Lava-se só com água e não fica nenhuma mancha.

Todo o sangue que o Ocidente produz é deste tipo. Muitas vezes nem sequer é preciso lavá-lo com água. Simplesmente não se vê.

A história do Ocidente é uma longa sequência de sacrifícios humanos, que parecem ser o contrário do que são. Parecem ser castigos merecidos pelo desrespeito aos direitos humanos da parte de todos os outros. O Ocidente tem uma torre alta, da qual contempla todo o mundo para intervir onde se violam os direitos humanos. Intervém com força, com crueldade infinita, contra todos os que os violam. Nas intervenções que o Ocidente faz desde essa torre, violam-se os direitos humanos como jamais foram violados. Fazem-se guerras que jamais foram feitas; usam-se armas que não se conheciam. O resultado dessas intervenções é sempre, e sem variação, a apropriação das riquezas e dos bens, assim como também da força de trabalho, dos povos invadidos. O Ocidente conquistou o mundo e o está destruindo. No entanto, segundo a imagem que tem de si mesmo, tudo o que fez foi intervir contra os muitos violadores dos direitos humanos no mundo inteiro. A apropriação dos bens destes não passa de recompensa bem merecida por essa obra, a reparação dos danos que estes violadores tinham ocasiondo.

Essa torre de vigia que o Ocidente construiu, e que é mais alta que qualquer torre jamais construída, chega hoje até os céus. Desde essa torre se escuta o grito que faz tremer o mundo: a vítima tem a culpa, o vitimador é inocente.


FRANZ J. HINKELAMMERT, doutor em Economia pela Universidade Livre de Berlim,é nome familiar aos cientistas sociais da América Latina. De 1963 a 1973:professor da Universidade Católica do Chile. De 1973-1976:professor convidado da Universidade Livre de Berlim. De 1978 a 1982:diretor de pós-graduação em Política Econômica da Universidade Autônoma de Honduras. Atualmente coordenador da área de pesquisas do DEI, San José, Costa Rica.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A Demanda da Espiritualidade Perdida

"Se Deus não existe, tudo é permitido." 
Dostoiévski

"O passado traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Alguém na terra está à nossa espera. Nesse caso, como a cada geração, foi-nos concedida uma frágil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não pode ser rejeitado impunemente. O materialista histórico sabe disso."
Walter Benjamin

O filme Nostalghia, do cineasta russo Andrei Tarkovski, revela uma outra realidade dentro da realidade dos homens comuns. É um universo utópico, um não-lugar, paralelo ao mundo ordinário. À semelhança dos romances de Dostoiévski, retrata um novo mundo que está por nascer, sobre as ruínas do antigo. Um mundo que está ainda em estado embrionário, surgindo lentamente por sobre as névoas deste tempo sombrio que quer abortar o novo que está surgindo.
A modernidade capitalista , que teve sua gênese na Itália, está sendo substituída, por um tipo de sociedade que ainda não possui uma configuração clara. A chama da fé cristã é passada do povo italiano para o povo russo, o novo portador da esperança utópica, de uma humanidade liberta da escravidão do materialismo suicida do capital.
Esperança que havia se apagado durante a ditadura stalinista, mas que volta a reacender-se pelo contato com a fé italiana. Uma fé que está se extinguindo na Itália moderna, simbolizada pela personagem Eugênia, mas que luta desesperadamente, como o personagem Domenico, para que esta chama seja levada adiante, para que não morra sob o escombros de uma civilização que está desabando.
Como profetizara Dostoiévski, A Rússia se tornaria o farol do novo mundo. Sua obra representa este sonho utópico de uma humanidade redimida de todas as suas atrocidades. Cabe aos loucos, aos poetas, aos místicos, a missão de carregar esta chama utópica de uma nova humanidade.
No mundo dos normais, a maioria está preocupada em aumentar sua felicidade individual, prolongar sua vida, preservar a juventude. Como o sistema do capital, as pessoas não querem envelhecer, não querem morrer, presas ao prazeres materiais que se multiplicam a cada dia, seduzidas pela propaganda, pela medicina, pela indústria famacêutica e de cosméticos. Enfeitiçadas pelas promessas de uma eterna e permanente felicidade, por um gozar da vida ininterrupto, elas se lançam no jogo fratricida da competição capitalista, para gozar das delícias oferecidas pelo mercado.
Numa cena antológica, Domenico, depois de ser retirado de seu cativeiro, que ele impôs a si e sua família para esperar o juízo final, corre atrás do seu filho, talvez para impedir que a criança entre em contato com este mundo dominado pelas trevas da sua própria decadência. Seu filho pergunta, nas escadarias de uma igreja, se ali era o fim do mundo.
Os fatos da nossa realidade contemporânea talvez respondessem que sim. Um mundo onde o Prêmio Nobel da Paz ordena ataques aéreos que matam crianças e mulheres indefesas, com a justificativa mentirosa de defender o mundo da ameaça terrorista, ameaça criada pelo governo do país que ele preside; um mundo onde as crianças são cercadas pela violência, pela fome, pelas psicoses, pela miséria, pela pornografia, pelo consumismo compulsivo, por parentes e religiosos pedófilos, por autoridades corruptas e depravadas; por drogas lícitas e ilícitas de todos os tipos. A resposta de Domenico e de todo pai preocupado com sua família não poderia ser outra: de que já estamos no fim deste mundo dominado pelo vampiro do capital.
É preciso atravessar o pântano moral, no qual nos encontramos, com a chama da nossa humanidade protegida da tempestade que sopra do abismo do esquecimento.
Na crise da humanidade humanidade européia, da qual fugimos, que fingimos não existir, ou quando percebemos, procuramos soluções individuais, Deus está sempre falando ao homem, mas ele se fecha em seu racionalismo, em seu orgulho. Só os santos e os loucos ouvem a voz de Deus. A criança encarna a luz do novo mundo.
Benjamin identifica o progresso capitalista com essa tempestade do abismo, que vem do passado, acumulando ruínas sobre ruínas. A história humana, ou pré-história para Marx, é uma sequência de catástrofes e segundo Benjamin, até a natureza, se lhe fosse dada a palavra, teria muito o que lamentar. Para Kafka o estado atual da civilização não se diferenciou quase nada do de um lamaçal. O homem ainda chafurda na lama à semelhança dos seus ancestrais barbáros. É uma barbárie racionalizada, com uma violência burocratizada, consumada pela máquina do Estado, perpetuando a bestialidade humana.