domingo, 4 de fevereiro de 2018

A Morte do Pai

A Morte do Pai

Este ano completo trinta anos de militância política. Comecei a militar na juventude do PCB em 1988, levado por um desejo de participar efetivamente da transformação da sociedade brasileira, então considerada a sociedade mais desigual e injusta do mundo. Ao longo desses trinta anos tenho visto muitos companheiros de militância se deixarem corromper, participando de esquemas criminosos tanto na esquerda quanto na direita.
Uma das razões dessa adaptação inescrupulosa ao sistema injusto que eles diziam combater pode ser revelada pela psicanálise. Segundo o complexo de Édipo freudiano todo filho sente um desejo inconsciente de matar o seu pai e se casar com sua mãe. A interpretação desse complexo deve ser feita numa chave simbólica. Dentro dessa chave podemos inferir que todo filho procura em sua vida adulta superar o seu pai socialmente e economicamente, tornando-se superior ao que foi seu pai em seu conceito e no conceito da sociedade. É uma competição vivida com angústia pelo filho desde sua infância, pois a competição é o que constitui ontologicamente o indivíduo na sociedade capitalista. Se ele não for um vencedor, se ele não for melhor do que seu pai ele será considerado um perdedor, a pior desgraça que pode acontecer com uma pessoa no capitalismo.
Ao longo de décadas tenho visto meus amigos e inimigos de esquerda se submetendo aos mais sórdidos esquemas de corrupção para ascenderem socialmente, para serem vistos como vencedores que superaram seus pais. Vendem suas almas ao Diabo apenas para conseguirem um cargo de confiança, uma admissão em um curso de pós-graduação ou a admissão fraudulenta em algum concurso público. Como uma maldição se tornam cínicos, depravados, cocainômanos e alcoólatras, porque o Diabo não deixa de cobrar o seu preço.
Então me pergunto: por que eu, vindo de uma família tão pobre, não participei de nenhum esquema de corrupção política? Encontrei uma resposta freudiana para essa pergunta. Até os oito anos tive uma vida de classe média, em um exílio na cidade de Cuiabá. Meu pai, um construtor civil, havia se envolvido com os políticos cuiabanos, lucrando muito com as obras superfaturadas feitas por esses políticos. Ganhou muito dinheiro se prostituindo com esses políticos corruptos, se beneficiando do dinheiro roubado do povo. Como que por um castigo divino, na recessão do início da década de oitenta, meu pai faliu junto com outro milhares de empresários brasileiros. Nossa família ficou na miséria. Voltamos a morar em Campo Grande, e meu pai voltou a trabalhar como pedreiro para sustentar a família e a si mesmo. A partir dos oitos anos fui obrigado a conviver com um pai fracassado, alcoólatra, paranoico e violento. Em seus surtos de paranoia ele ficava amolando uma faca e dizendo que iria matar o namorado de minha irmã mais velha. Projetava o ódio que sentia por si mesmo por ter se tornado a pessoa mais pobre de sua família nos filhos. Sentia um prazer sádico em humilhar e ofender os filhos, elogiando os filhos de seus irmãos que conseguiam bons empregos e bons salários para se sentir menos fracassado.
Ao ser criado por um pai fracassado, alcoólatra e sádico, não desenvolvi nenhum desejo edipiano de tentar superar meu pai. Como querer superar um ser tão medíocre, hipócrita e derrotado. Querer superar meu pai era o mesmo que querer superar um nada, um pobre diabo com delírios megalomaníacos e perversos. Deixei de ter meu pai com referência de homem, de ser humano e de pai. Era como se eu tivesse me tornado órfão. Busquei nos livros, no conhecimento e na política uma nova paternidade onde eu buscasse orientação, abrigo e superação.

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